domingo, 18 de agosto de 2013

A uma grande mãe, o carinho de seus filhos

Acordo tarde, à tarde, e recebo a notícia: Maria Dagmar Falcão de Melo, nossa querida Dona Dagmar, já não partilha conosco as experiências na carne. Nos últimos dias, assim como os seus familiares (meus queridos amigos), todos nós, que amamos essa mulher exemplar, contávamos com a possibilidade desse desfecho, em razão de seu estado de saúde. Como os seus familiares também sabemos que a morte é um portal inevitável, através do qual retornarmos à nossa natureza mais profunda: à condição espiritual, essência incriada e permanente, sublime mistério gerador de todas as formas impermanentes. Ainda assim, uma lágrima e uma dor suave e resignada marcam os nossos corações nesta luminosa tarde de agosto.

Sim, como os seus familiares e amigos, eu também queria que essa mãe de tantos filhos, em tantas famílias, em tantos lugares e há tanto tempo - família imensa na qual me incluo - permanecesse um pouco mais junto a nós, em sua expressão corpórea. E assim outras vezes eu poderia ouvir suas palavras carinhosas e sentir o seu afago maternal ao chegar ao LEAN para uma palestra de domingo. 
Compreensível expressão de nossa condição humana, egóica e ávida em prender tudo o que nos beneficia, até ao extremo de querer reter o pássaro livre em seu vôo improrrogável.


Mas uma mulher da estirpe de Dagmar Melo destaca-se principalmente nessa hora de despedida e saudade e nos faz ver além de nossas carências e desejos.

Já não há só uma lágrima e uma dor resignada no fundo de nossos corações. Há também - e, sobretudo - gratidão e contentamento por termos sido agraciados com a bênção de sua companhia em produtivo aprendizado. 

Quando eu olhar, daqui a pouco, para o seu corpo imóvel, lembrarei ainda mais fortemente da Dagmar destemida que construiu, ao lado de nosso saudoso José Melo, uma história de realizações numa época na qual lidávamos com imensos obstáculos sociais em nosso país. 

Lembrarei de sua fé em Deus e na vida e sua disposição de correr riscos por seus ideais. E, para quem quiser ouvir, poderei testemunhar o que vi em dias inesquecíveis de minha juventude.

O que levaria um casal, então bem sucedido em empreendimentos comerciais, a colocar no centro de sua vida uma religião então discriminada - e até perseguida - em nossa sociedade? Sobretudo, a fé e coragem de Dagmar.

Aos mais velhos poderei dizer: quem não lembra da casinha humilde em que a Federação Espírita do RN funcionava, nos anos 60, que depois cederia lugar a um prédio amplo e mais adequado à expansão de suas atividades? Todos certamente lembrarão. Mas... e quem lembra de que o edifício imponente foi quase todo erguido, silenciosamente, com os recursos do casal Melo, sem que estes desfrutassem de qualquer benefício fiscal?

Quem não lembra de Divaldo Franco e outros expoentes da divulgação espírita aportando em Natal para programações inolvidáveis, apesar da pobreza generalizada dos centros espíritas de então? E quem garantia a presença desses luminares entre nós? O silencioso casal Melo.

E quem não lembra das COMENs,confraternização de jovens espíritas, berço da atual CONFERN, nascida do idealismo de José Augusto e Armando Tomaz, mas viabilizada no então sítio do casal Melo, em Parnamirim, terra fértil que chegou a receber toda a cúpula dirigente do movimento espírita nacional e em cujas cercanias, anos depois, surgiria pela iniciativa de Dagmar - agora auxiliada por seu filho e grande divulgador da causa espiritual Jacob Melo - a obra respeitável do Lar Espírita Alvorada Nova, o LEAN.

São obras físicas, visíveis, importantes e indispensáveis, mas infinitamente menores que o bem oculto que Dagmar Melo proporcionou a corações e mentes que foram o alvo de seu trabalho como médium, como evangelizadora, como mãe adotiva e como mãe espiritual de tantos ao longo de uma vida corpórea florescente e útil até os seus últimos dias.

Lembrarei, diante de seu corpo, do seu carinho de mãe e sua firmeza de mestra para comigo. E de sua ousadia, só possível aos de fé inabalável em Deus e na vida.

O que levaria aquela mulher a confiar num menino de 17 anos - eu, no início dos anos 70 - e a entregar-lhe a secretaria da Federação Espírita senão uma profunda fé em Deus e na criatividade da vida? Mais: a levar esse menino a Brasília e colocá-lo entre os quase anciãos do Conselho Federativo Nacional da FEB e a conduzí-lo à Mansão do Caminho, abrindo-lhe a intimidade de Divaldo Franco. Para mim, bastaria isso para revelar o espírito vanguardista de Dagmar Melo, uma mulher que, com os pés na tradição, nunca deixou de levantar os braços para as surpresas do infinito.

Para quem quiser, velhos e jovens, darei meu testemunho sobre essa irmã valoroza com quem caminhei em um trecho marcante de minha trajetória e cujo exemplo continua a inspirar-me frente a muitos desafios da vida.

Sei, no entanto, que meu relato é resumo impreciso e parcialíssimo da vida rica e abençoada de Dagmar. E se o faço agora é porque, já não mais na dor e sim no contentamento de uma celebração de amor e fé, quero juntar-me aos corações que em voz alta ou em silêncio certamente abençoam esta querida irmã em um coro de gratidão.

Obrigado, Dona Dagmar. Do fundo do meu coração, obrigado à senhora e a Deus, amor de nosso amor, fonte e liga de nossas vidas e de nossa celebração.
Louvado seja Deus.

Por Jomar Morais

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